multitasking: avanço ou retrocesso?

Fazendo uma rápida pesquisa no google, encontramos três símbolos interessantes para palavra “multitasking”. Primeiro: ela é considerada uma “human ability” (habilidade humana) que algumas empresas apostam como importante qualidade para o trabalhador do futuro. Segundo: imagens de pessoas de terno fazendo várias coisas ao mesmo, com muitos braços, como um tipo de deus hindu contemporâneo plenamente adaptado ao mercado. Por último: é também o nome de um aplicativo de celular que permite abrir várias ferramentas simultaneamente.

O termo em inglês (que pode ser traduzido como “multitarefa”) tem se tornado popular por descrever algo que todos nós temos nos habituado cada vez mais: fazer várias coisas ao mesmo, pulando rapidamente de uma outra. Tem a ver com as várias abas abertas ao mesmo tempo, aonde lemos um pouquinho de um texto aqui, rolamos um pouco o facebook ali, vemos fotos em outra, damos play em um clip, voltamos para o facebook, lemos mais parágrafo, pesquisamos um termo estrangeiro em outra aba, abrimos o email, voltamos ao facebook, mais um parágrafo, o começo de um vídeo que mandaram o link, mais alguns emails não lidos, meio parágrafo, facebook de novo, um notícia bombástica que alguém postou…

Essa capacidade, que para nossa geração parece ter se tornado inerente, é vista com bons olhos por alguns, como um tipo de avanço evolutivo da espécie humana que se torna cada vez mais capaz de realizar várias tarefas ao mesmo, se tornando mais produtiva e com a atenção multifocal. É uma resposta adaptativa para um época de excesso de estímulos e informações. Mas nem todos concordam que essa adaptação representa um ganho positivo. Ela pode até ser um retrocesso.

O filósofo coreano Byung-Chul Han é um dos críticos ao multitasking. Em seu livro “Sociedade do Cansaço” (publicado no Brasil pela Editora Vozes), ele diz que “a técnica temporal e de atenção multitasking não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobreviver na vida selvagem”. Para o filósofo, só o ser humano tem a possibilidade de mergulhar contemplativamente em uma ação, com atenção profunda, diferente da atenção “ampla, mas rasa” do multitasking, que se assemelharia a atenção de um animal selvagem. A humanidade, que se dedica a relações simbólicas com o meio, necessita de uma “atenção profunda, contemplativa” para seus desempenhos culturais, entre elas, segundo o autor, a própria filosofia.

Por isso, talvez, volta a tona a preocupação do “sobreviver”, em detrimento do bem viver, bem como a generalização da violência, a ausência de empatia e a desvalorização das relações simbólicas (entre elas as artes e as religiões). Essa “nova” e “extraordinária” capacidade de atenção e realizações múltiplas seriam, portanto, um retrocesso, uma volta a vida selvagem destituída de toda possibilidade de contemplação e de relação profunda. A multitasking, ao invés de nos tornar deuses de várias braços, pode nos tornar esquilinhos inquietos. É preciso permanecer atento.


foto: internet / autor desconhecido

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